quarta-feira, 24 de abril de 2013

O amor pode mudar o mundo. E é sério.





Quando dizemos que o amor pode mudar o mundo, não estamos dizendo metaforicamente. Muitos são os exemplos que começam a aparecer – e aqui cabe saudar as maravilhas das redes sociais, que fazem com que esses casos se espalhem como um vírus do bem.

Abaixo um relato da página do Facebook de Raimundo Arruda Sobrinho, um ex-morador de rua, resgatado da exclusão social por uma mulher. Ela não tinha nenhum vínculo familiar com Raimudo, só que entendia que somos todos "um". Que a condição de Raimundo afetava a sua própria condição. Entendeu que o amor que ela sentia, podia mais que qualquer medo.

"Prezados amigos do Raimundo,

Hoje, 23 de abril de 2013, faz 1 ano que Raimundo Arruda Sobrinho saiu da “ilha” que viveu por quase 19 anos, um canteiro da Av Pedroso de Morais, em SP.

Nascido na Zona Rural de Goiás, ele estava há 51 anos longe de sua terra Natal e ao todo viveu quase 34 anos na condição de morador de rua em SP.

Tive a honra e o privilégio de conhecê-lo, conviver com ele por quase 1 ano em frequentes visitas e ser sua amiga.

Sentado em um banquinho de madeira, vestido com sacos de plástico preto, ele passava o tempo escrevendo em “pedacinhos de papel”, delicadamente cortados no mesmo tamanho. Todos têm número de série, são datados com o ano de 1999 + o número que falta para se chegar ao ano em questão (por ex, 2012 é 1999 + 13) e assinados como “O Condicionado”.

Abaixo transcrevo a primeira Mini-Página (como ele os denomina) que ganhei:

“Ofertas, Gestos Oferta
Gestos, Páginas Autográfas.
Ponte 2
Que é o interesse do leitor,
Pela vida do autor que ele leu?
E dos demais consumidores de tudo
Que o homem fez?

Ass. O condicionado
SP 4 – 4 – 1999 + 13 (c)

Logo comecei a colecionar as Mini-Páginas, conhecer mais da obra e do homem tão especial que é Raimundo e não tardou para que fizesse esta Página para ele, com o intuito inicial de publicar a sua obra (esta é uma vontade antiga do Raimundo) e com isso fazer com que mais pessoas conheçam a grande pessoa que ele é.

Para total surpresa e alegria, em pouquíssimo tempo a família de Raimundo entrou em contato e, a partir daí, nossos esforços se voltaram para o restabelecimento dos laços familiares e inclusão social do Raimundo.
No dia 23 de abril, ele saiu das ruas e foi para o Caps do Itaim, local no qual recebeu cuidados para que pudesse retornar a Goiás, onde hoje vive com sua família!

Raimundo está muito bem, falamos sempre ao telefone e vou visitá-lo pela segunda vez em breve!

Sou eternamente muito grata pelo meu encontro com Raimundo, por todo aprendizado que este encontro tem me possibilitado, pela convivência com este ser iluminado e por poder servir de canal para que sua condição mudasse tanto, de forma tão plena!

Esta é uma história com um Final muito Feliz!!

E uma vez que todo final é sempre um recomeço, podemos dizer que é uma história que começa novamente aos 74 anos da vida de um homem (que por quase a metade de sua vida foi “Condicionado” às maiores adversidades que muitos de nós sequer consegue imaginar) com o merecidíssimo acolhimento e amor, ao lado dos seus familiares!

É uma grande prova de que tudo é possível e não importa quão difícil nossa condição de vida se apresente, sempre é possível melhorá-la! Em breve e, ao lado dele, darei mais notícias para vocês!!

Despeço-me com as sábias palavras do nosso querido poeta, escritas após retorno de uma viagem familiar:

“Desgraçado do homem que se abandona

Estas seis palavras acima indicam que, por pior
que seja a situação, nunca, nunca o homem deve
considerá-la perdida porque ninguém pode
dar garantia que adversidade seja invulnerável”

Raimundo Arruda Sobrinho, 04/11/2012

Maravilhoso Mestre!!!

Abraços Fraternos!"


Para quem quiser saber mais dessa história: https://www.facebook.com/ocondicionado

terça-feira, 23 de abril de 2013

Concorra a 5 exemplares autografados por Robson Pinheiro de seu lançamento "Cidade dos espíritos".



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terça-feira, 16 de abril de 2013

O verdadeiro homem invisível.


















O psicólogo social
Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo. Ali, constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são "seres invisíveis, sem nome". Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu comprovar a existência da "invisibilidade pública", ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa. Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de R$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição de sua vida: "Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência", explica o pesquisador.

O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como um ser humano. "Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão", diz. Apesar do castigo do sol forte, do trabalho pesado e das humilhações diárias, segundo o psicólogo, são acolhedores com quem os enxerga. E encontram no silêncio a defesa contra quem os ignora.

Como é que você teve essa idéia?

Meu orientador desde a graduação, o professor José Moura Gonçalves Filho, sugeriu aos alunos, como uma das provas de avaliação, que a gente se engajasse numa tarefa proletária. Uma forma de atividade profissional que não exigisse qualificação técnica nem acadêmica. Então, basicamente, profissões das classes pobres.

Com que objetivo?

A função do meu mestrado era compreender e analisar a condição de trabalho deles (os garis), e a maneira como eles estão inseridos na cena pública. Ou seja, estudar a condição moral e psicológica a qual eles estão sujeitos dentro da sociedade. Outro nível de investigação, que vai ser priorizado agora no doutorado, é analisar e verificar as barreiras e as aberturas que se operam no encontro do psicólogo social com os garis. Que barreiras são essas, que aberturas são essas, e como se dá a aproximação?

Quando você começou a trabalhar, os garis notaram que se tratava de um estudante fazendo pesquisa?

Eu vesti um uniforme que era todo vermelho, boné, camisa e tal. Chegando lá eu tinha a expectativa de me apresentar como novo funcionário, recém-contratado pela USP pra varrer rua com eles. Mas os garis sacaram logo, entretanto nada me disseram. Existe uma coisa típica dos garis: são pessoas vindas do Nordeste, negros ou mulatos em geral. Eu sou branquelo, mas isso talvez não seja o diferencial, porque muitos garis ali são brancos também. Você tem uma série de fatores que são ainda mais determinantes, como a maneira de falarmos, o modo de a gente olhar ou de posicionar o nosso corpo, a maneira como gesticulamos. Os garis conseguem definir essas diferenças com algumas frases que são simplesmente formidáveis.

Dê um exemplo?

Nós estávamos varrendo e, em determinado momento, comecei a papear com um dos garis. De repente, ele viu um sujeito de 35 ou 40 anos de idade, subindo a rua a pé, muito bem arrumado com uma pastinha de couro na mão. O sujeito passou pela gente e não nos cumprimentou, o que é comum nessas situações. O gari, sem se referir claramente ao homem que acabara de passar, virou-se pra mim e começou a falar: "É Fernando, quando o sujeito vem andando você logo sabe se o cabra é do dinheiro ou não. Porque peão anda macio, quase não faz barulho. Já o pessoal da outra classe você só ouve o toc-toc dos passos. E quando a gente está esperando o trem logo percebe também: o peão fica todo encolhidinho olhando pra baixo. Eles não. Ficam com olhar só por cima de toda a peãozada, segurando a pastinha na mão".

Quanto tempo depois eles falaram sobre essa percepção de que você era diferente?

Isso não precisou nem ser comentado, porque os fatos no primeiro dia de trabalho já deixaram muito claro que eles sabiam que eu não era um gari. Fui tratado de uma forma completamente diferente. Os garis são carregados na caçamba da caminhonete junto com as ferramentas. É como se eles fossem ferramentas também. Eles não me deixaram viajar na caçamba, quiseram que eu fosse na cabine. Tive de insistir muito para poder viajar com eles na caçamba. Chegando ao local de trabalho, continuaram me tratando diferente. As vassouras eram todas muito velhas. A única vassoura nova já estava reservada para mim. Não me deixaram usar a pá e a enxada, porque era um serviço mais pesado. Eles fizeram questão de que eu trabalhasse só com a vassoura e, mesmo assim, num lugar mais limpinho, e isso tudo foi dando a dimensão de que os garis sabiam que eu não tinha a mesma origem socioeconômica deles.

Quer dizer que eles se diminuíram com a sua presença?

Não foi uma questão de se menosprezar, mas sim de me proteger.

Eles testaram você?

No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles colocaram uma garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não tinha caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns se aproximavam para ensinar o serviço. Um deles foi até o latão de lixo pegou duas latinhas de refrigerante cortou as latinhas pela metade e serviu o café ali, na latinha suja e grudenta. E como a gente estava num grupo grande, esperei que eles se servissem primeiro. Eu nunca apreciei o sabor do café. Mas, intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo. No momento em que empunhei a caneca improvisada, parece que todo mundo parou para assistir à cena, como se perguntasse: ‘E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa caneca?’ E eu bebi. Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles passaram a conversar comigo, a contar piada, brincar.
O que você sentiu na pele, trabalhando como gari?

Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão central. Aí eu entrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo andar térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na biblioteca, desci a escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei em frente a lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse trajeto e ninguém em absoluto me viu. Eu tive uma sensação muito ruim. O meu corpo tremia como se eu não o dominasse, uma angustia, e a tampa da cabeça era como se ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar, não senti o gosto da comida e voltei para o trabalho atordoado.

E depois de oito anos trabalhando como gari? Isso mudou?

Fui me habituando a isso, assim como eles vão se habituando também a situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um professor se aproximando – professor meu – até parava de varrer, porque ele ia passar por mim, podia trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se tivesse passando por um poste, uma árvore, um orelhão.

E quando você volta para casa, para seu mundo real?

Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em que você está inserido nessa condição psicossocial, não se esquece jamais. Acredito que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa. Esses homens hoje são meus amigos. Conheço a família deles, freqüento a casa deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador. Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe. Eles são tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo nome. São tratados como se fossem uma coisa.

Para saber mais, leia o livro relato desta experência: Homens Invisíveis, Relatos de uma humilhação social. Fernando Braga da Costa, editora Globo.

Fonte: Plínio Delphino, Diário de São Paulo

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Texto inédito de Ângelo Inácio: introdução para o livro "Cidade dos espíritos".


A vida na erraticidade. Sem vagar entre nuvens de incertezas, todos nós vivemos e viveremos apesar da morte, da dor e do sofrimento. Sem nos perder no nada incompreensível ou diluir a consciência, fundindo-a ao todo inexplicável pelo vocabulário humano, seja religioso ou científico, sobrevivemos e sobreviveremos entre as estrelas. 

O homem é produto das estrelas e para as estrelas retornará  um dia, quando puder alçar voo rumo ao país da eternidade. Lá é onde moram os sonhos, onde vivem os Imortais, onde as luzes se fazem gente e onde os seres são feitos de pura luz. É onde fica a cidade habitada pelas consciências que despertaram para a vida além dos limites demarcados por fronteiras, estandartes ou bandeiras; onde cessam os partidarismos políticos, ideológicos ou religiosos.

Esse é o mundo onde não há medo, nem culpa, nem  cobrança. Essa é a Aruanda de todos os povos, de todas as  gentes, a cidade dos espíritos. O país das estrelas pode ser cantado em prosa, em verso, ao som de atabaques ou entre melodias refinadas de instrumentos mil. A cidade dos espíritos ou, simplesmente, Aruanda é o céu, o orum, o paraíso, para muitos. Pode ser também o fulgor das estrelas, o cantar dos pássaros ou, então, a habitação de pais-velhos, a terra de caboclos, de brancos e negros, asiáticos, índios, de peles vermelhas, pretas ou amarelas; afinal, essa metrópole é a pátria daqueles que não se sujeitam mais aos acanhados comportamentos exclusivistas e sectários das sociedades humanas. Ali, entre as estrelas, é onde o espírito se retempera, onde é capaz de haurir forças para as tarefas de redenção, auxílio ou intervenção no mundo dos homens.

Cidade dos agentes da justiça divina — essa é a realidade da Aruanda. Onde a justiça e a equidade se aliam para estabelecer o Reino nos corações humanos e na Terra, em todas as dimensões. Dela partem guardiões, caravanas que interferem no mundo em nome da divina justiça. É onde me encontrei, aonde fui conduzido pela espada flamejante de um guerreiro que descortinou, ante minha visão estreita, as luzes e os caminhos de Aruanda, também conhecida por alguns como Ilha Sagrada, por outros, como Shamballa; para mim, somente Aruanda, a cidade dos Imortais. Um estilo de vida, um conceito de paz, uma filosofia, uma política divina — tudo isso faz da cidade dos espíritos um lugar mítico, uma escola onde se preparam espíritos, forjam-se heróis anônimos, que lutam pelo progresso da humanidade. Onde residem encantos e encantados, onde lendas encontram sua explicação e onde o tipo encontra o antítipo. Da Aruanda, onde me encontrei depois de abertos os portais da morte e onde até hoje me inspiro e respiro, quando posso, a fim de retornar à Terra dos meus encantos e dos meus antigos amores, é de onde trago, na bagagem da alma, a poesia da imensidade.

Ângelo Inácio
São Paulo, 3 de março de 2013.