sexta-feira, 17 de maio de 2013

Caro ou barato: uma questão de valor.



Em 2006, nosso editor Leonardo Möller
escreveu um texto que abordava o tema da "precificação" em nosso país. O texto respondia a críticas feitas na época, sobre o preço de cursos realizados pela editora em SP. Achamos super pertinente trazer este ensaio à tona novamente, já que fala do tema "preço" de forma mais ampla: acaba fatalmente abrangendo a questão de "preço dos livros", que é um assunto recorrente em nossas redes sociais e, às vezes, até controverso. E você, o que você acha?


Caro ou barato: uma questão de valor

Ainda com relação ao aspecto financeiro, quero enfocar a questão do poder aquisitivo de maneira crítica. É verdade que a maior parte de nossa população brasileira está nas camadas c, d e e. Até é possível que o quadro se reproduza no âmbito espírita. Contudo, isso é um problema de renda de nosso país, e não um problema inerente ao custo das coisas, como o valor do Curso em SP. Quero dizer que o curso não pode ser julgado caro ou barato com base no poder aquisitivo individual, mas isso deve ser feito com base na realidade a nosso redor.

Quanto custam cursos similares, em outras áreas do conhecimento? Essa é uma pergunta pertinente. Ou, sob outro ângulo ainda mais óbvio para demonstrar o que pretendo: por que R$ 1.200,00 é caro para um curso mas não é, por exemplo, para uma TV de 29”? Você sabia que agora, na época da Copa do Mundo, esse produto é campeão de vendas entre consumidores das classes c, d e e nas lojas líderes no segmento, como Casas Bahia ou Ponto Frio? Por que uma tv vale R$ 1.200,00 e o conhecimento espiritual, não?

Gostaria de explorar mais esse ponto, pois essa é uma questão que considero central, e que denota o valor que damos às coisas, algo extremamente subjetivo e que não guarda relação direta nem está atrelado ao poder aquisitivo ou mesmo ao preço em reais, como sugere o senso comum. É um engano pensar assim. É o que demonstram fartamente as pesquisas e especialistas de marketing, e suas conclusões deveriam ser debatidas urgentemente pelos espíritas. Vejamos alguns exemplos:

[1] Em minhas relações, conheço mais de 40 pessoas que usam regularmente produtos da Natura e nenhuma delas acha que sejam caros, mesmo não podendo adquirir tudo o que desejam — são das classes c, d e e. (Creio que isso reflete o mercado, pois a Natura tanto despertou para o poder de compra das classe c, d e e que está investindo maciçamente em merchandising na novela das oito, na Globo.) Porém, grande parte delas diz não consumir livros porque são “caros demais”; entre aqueles que os compram, há queixas de que o livro espírita encareceu muito nos últimos anos. O engraçado é que tanto um produto da Natura como um livro custam de R$ 30,00 a R$ 50,00… E digo mais: o primeiro é consumível, e dura de 15 a 60 dias; o outro é um bem mais durável, imperecível.

[2] Esses dias um funcionário da Casa dos Espíritos, que recebe líquidos R$ 550,00 por mês (mais garantias sociais, evidentemente), adquiriu um capacete para sua moto no valor de R$ 280,00, e não o ouvi dizer uma vez sequer que estava caro. “Ah! É segurança, meu instrumento de trabalho, é bonito, confortável…”, foi o que argumentou. Note: ele empregou metade de seu salário num capacete e achou que valia a pena. Quem sou eu para julgar o valor que ele atribui a um capacete? Suspeito inclusive que esteja motivado por uma questão mais subjetiva, de status, porque o capacete tem grife e design bem arrojado. Porém, esse mesmo funcionário, em outra ocasião, ao receber uma crítica a seu corte de cabelo, que estava terrivelmente malfeito, respondeu que estava assim porque precisa cortar num lugar barato, já que sua renda é pequena. Ele também estava descontente com o próprio cabelo. Disse-me então que pagara R$ 5,00 pelo corte. “R$ 5,00! O equivalente a 2 passagens de ônibus!”, respondi. E ele esperava o quê? Retruquei que há bons cortes a R$ 15,00 na praça, ao que ele rebateu, prontamente: “É caro demais! Não ganho para tanto”. E continuou a cortar no local que oferecia cortes amadores a R$ 5,00…

[3] Em nossa casa espírita promovemos recentemente um curso de um dia inteiro, ao valor de R$ 150,00 ou, para alunos dos cursos gratuitos, R$ 95,00, com um livro incluído na inscrição e parcelamento em até 3 vezes sem juros no cartão de crédito. Determinada voluntária, que pagaria o valor menor (todos os voluntários de nossa casa são obrigatoriamente alunos dos cursos gratuitos), deu um escândalo, achando um absurdo. Mas ela mesma costuma vender roupas, que é sua profissão, dentro da casa espírita, para colegas (na verdade, costumava, pois nós proibimos tal prática a partir de então) — embora jamais tenha revertido um centavo sequer para a instituição. Repare: a venda ocorria internamente, nas dependências da casa. Suas calças jeans custam até R$ 180,00, e ela não as acha caras. Todos seus clientes são das classes c, d e e, pois ela mora e trabalha na periferia da cidade, onde está localizada nossa Sociedade. São os mesmos que afirmaram ser “excluídos” de um workshop a R$ 95,00 ou R$ 150,00.



Não é curioso? Geralmente, no Brasil, nossa cultura tende a atribuir mais valor a produtos do que a serviços, isto é: a coisas em vez de gentes, no tocante à remuneração. Isso é triste, mas certamente tem raízes em nosso passado histórico, escravocrata e colonial. É o caso do capacete versus corte de cabelo, ou da TV de 29” versus Curso em SP. No entanto, mesmo entre os produtos, freqüentemente atribuímos mais valor aos menos duráveis, ao invés daqueles que possuem uma vida útil mais longa — o que é um paradoxo interessante. Quer ver?

> Um lanche no McDonald’s não é caro (é a rede de fast food de maior sucesso no Brasil), mas um CD original é (quantas pessoas só compram piratas, prejudicando o autor, sem remunerar a produção daquela obra?);

> um tênis da Nike pode custar de R$ 400,00 ou R$ 800,00, e muita gente de classe c, d e e compra; no entanto, querem pagar R$ 500,00 por um jogo de mesa com 4 cadeiras para a cozinha e ainda esperam encontrar qualidade;

> um livro a R$ 40,00 é caro, mas as revistas mais convencionais, muitas das quais logo serão descartadas e são recheadas de publicidade, podem custar R$ 15,00 e não parecem incomodar;

> um livro a R$ 50,00 é absurdo, mas um filtro solar eficaz, que é um remédio necessário para prevenção do câncer de pele (o Brasil é o 3º colocado no ranking mundial de casos de melanoma) custa mais que isso e não dura sequer 60 dias, mas pouco se fala a respeito;

> não é difícil um carro zero custar R$ 45.000,00, fora o que se gasta para mantê-lo e a estrondosa depreciação a que está sujeito, mas grande parte das pessoas que os adquirem acham R$ 200.000,00 muito por um imóvel;

> sobre o Curso em sp de novo: quem tem carro zero ou até 3 anos de uso (valor de mercado de até R$ 40.000,00) paga todo ano cerca de R$ 1.000,00 ou mais pelo ipva — sendo espírita ou não! —, mas talvez ache que pagar R$ 1.200,00 por um conhecimento para a eternidade é caro.

Não é interessante o funcionamento da nossa mente? É por essas e outras que estou convencido de que o problema não é o poder aquisitivo e, em certa medida, nem a renda é o “x” da questão. Creio que o fator determinante na decisão do que achamos de caro ou barato é o valor que atribuímos às coisas, que é determinado pela interação de nossa subjetividade com questões culturais que nos influenciam.

E, nesse particular, acostumamo-nos com as coisas espirituais sempre de graça, no meio espírita — o que justifica-se, no contexto mediúnico, a fim de diferenciarmo-nos da lamentável barganha e exploração econômica das questões mediúnicas e espirituais que vemos por aí. Contudo, Kardec é claro em dizer que as coisas mediúnicas é que não são passíveis de cobrança, e não todo o resto na casa espírita. Tanto que ele cobrava mensalidade de seus médiuns! Não podemos generalizar a cultura do “de graça” para todos os setores do espiritismo, sob pena da atrofia de nossas casas espíritas e de nossos veículos de comunicação, quase sempre aquém do que o mundo oferece em termos de tecnologia e do que dispõem outros segmentos religiosos.

A respeito da crise nas instituições, como somos editora, temos podido acompanhar a evolução do movimento espírita, o que nos preocupa. Você não acreditaria se lhe mostrasse a quantidade de casas espíritas que estão fechando as portas por questões financeiras; de casas espíritas que têm desistido de ter livraria, pois vêem a questão comercial como um problema (tudo está caro demais, dizem, até salgadinhos em lanchonetes!); de casas espíritas grandes e tradicionais que têm passado severos apertos de caixa. Até onde irá nosso paternalismo?

Você duvida desse fato? Basta olhar o estado de conservação dos imóveis das casas espíritas, em muitos casos deplorável, caindo aos pedaços mesmo, longe de refletir a beleza e a harmonia do ideal que professam. Não falo de luxo e opulência, não, mas de o mínimo que qualquer um de nós tem ou deseja ter em sua própria residência.

Sendo assim, se desejamos a continuidade e o crescimento do espiritismo e da difusão das idéias espíritas, como alcançá-lo se não nos dispomos a contribuir financeiramente, de modo direto ou indireto — como no caso do Curso em sp — para que isso ocorra? Acreditar verdadeiramente no ideal que abraçamos passa necessariamente por investirmos não só tempo mas empregarmos também recursos materiais de que Deus nos dotou para o progresso da obra que abraçamos.

É ou não é?

Um comentário:

  1. Concordo plenamente com você. Num País que remunera tão mal aos professores (e com a conivência da maior parte da população), todo curso "parece tãoooo caro"! Sinto, infelizmente, que o brasileiro deseja receber bolsa-conhecimento, qualquer que seja ele, porque acredita que ele tem que ser sempre público-gratuito... quem estudou, investiu e precisa sobreviver como qualquer ser humano que se vire no braçal, pq receber pelo esforço intelectual é "abusivo".... O tal paternalismo de que você fala. Acho um absurdo o preço dos remédios alopáticos, porque existe uma campanha contra a homeopatia porque ela resolve e é barata; e dá-lhe encher os bolsos das empresas farmacêuticas...Francamente, o mundo dos preços é um mundo paralelo, aqui perto de casa o pastel está 3,50 e as pessoas pechincham no preço da dúzia da laranja a 2,00... É a minha versão do seu exemplo: corte 5,00 x capacete 280,00...

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