por Andrei Polessi
Essa voz me dizia sobre gostos, temperos, harmonizações e preparos. Seduzia-me com aromas imaginários e com vontades secretas de gulas intermináveis. Falava sobre sabores nunca antes provados, receitas secretas, restaurantes três estrelas Michelin, de uma especialidade “não-sei-o-que, não-sei-bem-de-onde” – tesouros bem guardados, esperando pelo desbravador de colher em punho.
Comigo foi assim desde pequeno, barriga no fogão, assistindo duas grandes experts trabalharem: minha avó e minha mãe. Nada de técnicas francesas ou demi-glacês. Só o simples dom da combinação certa de ingredientes. O bom-senso da pitada – e quanta sabedoria há numa pitada. O conhecimento empírico passado de geração para geração, do carinho e da responsabilidade para com o ato de preparo dos alimentos. Alimentar é muito mais que simplesmente aquecer o estômago de alguém.
Josimar Melo, crítico e apresentador bon vivant gastronômico, é um dos caras que mais respeito e admiro no mundo das panelas tupiniquins. Ele diz: "Gastronomia é uma aquisição. Uma vez assimilada, a pessoa não consegue se livrar dela, passa a ficar mais exigente e a buscar o prazer que a boa comida proporciona". E é assim que eu me sinto na maioria das vezes. Não me considero um chato, sou realmente exigente, porém, democrático.
Gosto do bife acebolado e do confit de canard. Gosto da galinhada com quiabo e da codorna com risoto de pera. Na verdade, tento levar um pouco da filosofia budista pra cozinha: "O caminho do meio". Vejo nessa escolha, uma opção clara: honestidade.
Acho que muitos se esquecem que a reunião gastronômica, seja em casa, seja num restaurante, é uma experiência sensorial completa, não só dos paladares. Sabor é o mínimo, depois vem todo o resto. Visual, olfativa, sonora (será que existe algo pior que sentar à mesa com som ligado no último volume em alguma rádio FM?!)
Em segundo lugar, alimentar é acalentar a alma, oferecer aquela sensação de proteção e segurança que só se sente depois de uma boa refeição. Sem dúvida remonta ainda de nosso reflexo ancestral evolutivo de perpetuação da espécie, onde alimentados, sabemos que teremos força para lutar por nossas vidas e para proteger nossas crias.
Já nosso primeiro alimento, o leite materno, traz em si doses de amor, de cumplicidade e estreitamento fundamental na relação entre mãe e filho. Pesquisas mostram que as crianças que mamam no peito, desenvolvem maior autoestima, se tornando adultos mais seguros e confiantes. Isso sem falar na carga de imunidade transmitida pelo leite da mãe, fazendo desse primeiro alimento uma verdadeira vacina contra diversos tipos de doenças.
O alimento movimenta o mundo, molda nossas culturas, costumes e nossa vida. Há quem diga que a fome é o melhor tempero. Eu acrescentaria o carinho.
A honestidade na proposta de um prato, de um vinho que acompanhe, de um ambiente que abrace, tudo preparado com cuidado, com atenção, com amor. Aquele velho bom senso da pitada. Seja no preparo de um prato simples e barato, seja num clássico da cozinha internacional com ingredientes raros. Afinal de contas, tudo o que se quer ao se sentar numa mesa, é passar bons momentos e ter uma experiência memorável e construtiva. Que nos faça entender um pouco mais sobre nós mesmos, conversando, rindo e interagindo com amigos e família. E que melhor guia, se não a gastronomia pra nos levar por esses caminhos?
Nesse ponto temos que convir, tem hora que é melhor ficarmos só na canjinha. Afinal de contas, cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém! Pelo menos não na primeira meia-hora.
Parabéns Andrei. Gostei muito do seu texto. Lembrei imediatamente do Remy (de Ratatouille), quando ele descreve os sabores e a mágia de cozinhar. Até mais
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